quinta-feira, 21 de abril de 2011

Periferia S/A: São Paulo um breve relato


No inicio do século São Paulo era uma cidade concentrada. Diferentes classes se agrupavam no mesmo espaço, mas não quer dizer sob a mesma maneira. Neste momento a elite vivia em casas próprias bem estruturadas e para o restante dos trabalhadores de baixa renda a opção era o aluguel em casas de cômodo – em sua maioria cortiços ou em vilas operarias. Os domicílios alugados em São Paulo de 1920 correspondem a 79% do total de unidades habitacionais então existentes (KOWARICK, 2000. p.27). Com isso a construção de casas de aluguel gerava um negócio extremante rentável. Logo os cortiços e casas de cômodo serão regra até os anos 40.
 Como solução pra crise de crescimento populacional na capital em 1938 o então prefeito Prestes Maia e o também engenheiro de formação João Florence, irão implantar na cidade o “Plano de Avenidas”. De acordo com Maria Teresa Pires do Rio Caldeira (1984, p.16) “Este plano propunha a abertura e o alargamento de uma série de avenidas e radiais que partiam do centro em direção aos bairros e procurava criar uma cidade baseada no transporte. Para isso, desapropriou inúmeras construções e alterou radicalmente vários setores da área central, renovando e ampliando a zona comercial, incentivando a verticalização e a especulação imobiliária e, conseqüentemente, expulsando a população de baixa renda”. Deste modo o bonde passa a ser paulatinamente substituído pelo ônibus.
 Para que este processo se consolidasse  loteadores passam a ater um papel principal. De acordo com as observações de Bonduki e Langenbuch[1], foram em geral os loteadores particulares, pequenos e médios, que abriram uma infinidade de lotes na periferia – não importava o local desde que pudesse contar com uma linha de ônibus impulsionados pelo plano de avenidas. Estes eram vendidos de acordo com o orçamento dos trabalhadores de baixa renda. Portanto temos uma extensão dos antigos “subúrbios-estação”, onde as pessoas se instalavam próximas às estações de trem, agora agregados as linhas de ônibus recém criadas[2].  Deste modo estes novos núcleos pós anos 40, surgem de forma totalmente aleatória tendo como referência apenas as linhas de ônibus recém criadas. Esta intervenção no espaço público urbano começa a indicar a maciça separação entre moradia e local de trabalho – levando a periferização da cidade. “Causando um esvaziamento populacional dos antigos bairros operários que circundavam os centro da Cidade: Brás (-15,5%), Mooca (-5,4%), Bom Retiro (-16,5%), Santa Efigênia (-5,5%), Sé (-8,0%), Bela Vista (-3,5%), Liberdade (-0,5%)” (PAOLI e DUARTE, 2004. p. 69).  Em contraponto, o centro passa rapidamente a verticalizar-se, passando a ser uma zona terciária com aumento de bancos e escritórios. Concretizando o antigo sonho das elites.
Portanto, como citado anteriormente este quadro abrirá caminho para um agente fundamental para a consolidação deste crescimento desordenado e sobretudo periférico – os loteadores e os lotes irregulares. Que ganhará mais força a partir da “Lei do Inquilinato” (1942), está irá congelar os preços dos aluguéis até 1964 (a principio seriam apenas por dois anos). Com isso o aluguel passa a não ser um investimento rentável como nas décadas anteriores e muitos cortiços e cômodos de aluguel serão demolidos (ver tabela 1). Deste modo a cidade deixa de ser concentrada e os trabalhadores de classe baixa já não moram mais no centro tampouco próximos a elite, sendo forçados a irem morar cada vez mais longe e sem nenhuma infra-estrutura.

Tabela1: Montada a partir de dados de Lúcio Kowarick (2000, p.27)

Ano
1920
1940
1950
1970
1980
1991
Domicílios
alugados
79 (%)
75 (%)
68 (%)
38 (%)
40 (%)
29 (%)
Segundo Kowarick, a queda não se dá em conseqüência do incremento da casa própria e sim do crescimento da população favelada. Que atinge, cerca de 20% da população paulistana em meados dos anos 90.


 Enquanto que no período 1940/50 o centro passa por um decréscimo habitacional, a áreas correspondentes aos subúrbios e bairros periféricos  crescem mais de 10% ao ano em bairros não equipados e antes nunca ou esporadicamente habitados.
A habitação como parte de um instrumento de aceleração econômica gerou traços irreparáveis a cidade. Cabe notar que os lotes irregulares, mas adquiridos de forma legal por seus moradores, praticamente não sofreram nenhum impedimento por parte do Estado. Loteadores clandestinos agiram livremente se aproveitando da ocasião. Cabe lembrar que o Banco Nacional de Habitação criado em 1964, não privilegiou as camadas de baixa renda, agravando a situação. Entre 1964-77, aplicou nada menos que a soma de 1935 bilhões de cruzeiros, financiando 1 milhão e 739 mil habitações que foram destinadas de modo particular a famílias com rendimentos superiores a 12 salários mínimos.
Deste modo a periferia terá como característica principal à ausência – esta como parte crucial de uma complexa estrutura de segregação sócio-espacial. Por exemplo, segundo dados de Caldeira em 1980 na região de Itaquera, Brasilândia e São Miguel Paulista, apenas 19,1% das residências possuíam rede de esgoto e só 4,9% telefone. Em contrapartida Perdizes, Pinheiros, Jardim América e Vila Madalena, 97,6% estão ligados à rede de esgoto e 73,2% possuem telefone.
Acompanhando o surto do crescimento populacional da cidade, as favelas iram se proliferar na década de 50 sobretudo por imigrantes recém chegados, que não tinha condições de adquiri lotes nem que estes fossem em bairros distantes. Em 1958, tínhamos 1,3% da população residindo em favelas; Em 1968 com ações de desfavelização este número cairá para 0,8%; Mas 1974, já abrigará novamente 1,6% da população[3]. 
Na década da 1960, São Paulo já adquire seu perfil atual. Atendendo a primeiro a interesses privados, a periferia irá se expandir sem planejamento, ocupando primeiro para posteriormente cuidar da infra-estrutura, que obviamente é feita, quando é feita, de forma gradual e insuficiente. Cabendo aos movimentos sociais um papel importante para possíveis conquistas. Sem nenhuma ajuda, a edificação fica por conta do processo de autoconstrução. Logo como sugere Caldeira, temos o binômio loteamento-autocontrução, como caracterização das chamadas periferias. 


[1] Citados por KOWARICK, 2000.
[2] René Rémond em seu livro “O Século XIX”, coloca que a “revolução dos transportes produz efeitos a análogos; as estações dão origem a novos bairros, à vezes até a novas cidades (estações de triagem, troncos ferroviários)” ou seja, os processos urbanísticos (reservando suas especificidades) têm a questão dos transportes como algum comum que explica em parte o crescimento mundial da população urbana. E como seqüência as formações das periferias.
[3]Dados retirados de Caldeira, 1984.



Alan Fernandes
Este texto é parte de meu TCC: Segregação espacial: O espçao urbano em conflito (2010)


Bibliografia


CALDEIRA, T. P. do R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Ed. 34/ Edusp, 2000.

CALDEIRA, T. P. do R  A Política dos Outros: Cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo, Brasiliense, 1984.

KOWARICK, Lúcio. Escritos Urbanos. São Paulo, Ed. 34, 2000

PAOLI, Maria Célia e DUARTE, Adriano. São Paulo no plural: espaço público e redes de sociabilidade in PORTA, Paula. (Org.) História da cidade de São Paulo: Vol. 3. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

ROLNIK, Raquel. Cada um no seu lugar! São Paulo inicio da industrialização, geografia do poder. São Paulo, 1981. Dissertação de Mestrado apresentada a FAU/ USP

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